Contexto

O presente trabalho faz uma reflexão sobre os temas economia solidária e habitação social. Economia solidária é um conceito empregado para definir as atividades econômicas que se organizam de forma coletiva pelos trabalhadores que se associam e praticam a autogestão (1).

A economia solidária como um segmento emergente, constitui-se num novo modo de produção, com uma racionalidade completamente distinta dos princípios da economia capitalista de mercado. Enquanto esta é regida pelo individualismo competitivo, aquela é regida pelos princípios da cooperação, da autogestão e da solidariedade. Envolve empresas coletivas organizadas sob forma de autogestão que realizam atividades de produção de bens e de serviços, crédito e finanças solidárias, trocas, comércio e consumo solidário (2).

No Brasil, a economia solidária ressurgiu na década de 1980 como uma resposta operária à crise social provocada pela estagnação econômica e pela redução dos gastos públicos no setor urbano/habitacional. De fato, com a crise fiscal, a produção habitacional formulada no âmbito do BNH foi interrompida e a efetivação do direito à cidade foi ficando cada vez mais distante, traduzido no aumento das habitações precárias, coabitação familiar, ônus excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados (3).

Contudo, como resposta a ausência dos gastos governamentais, foi também durante a década de 1980 que ocorreu uma reavaliação do projeto arquitetônico e de sua elaboração voltados para a habitação social, ou seja, a habitação historicamente produzida e financiada pelo Estado (4). Dentre os fatores que motivaram estas mudanças, pode-se destacar: o contato que os profissionais de arquitetura tiveram com experiências internacionais, tais como as cooperativas de habitação social construídas no Uruguai” (5).

Tendo em vista a aprovação da proposta de emenda à Constituição nº 55, de 2016, a qual limita os gastos públicos por vinte anos, é de se esperar que o setor habitacional, especialmente aquele voltado para a população de baixa renda seja fortemente atingido à semelhança do que ocorreu na década de 1980, acelerando a crise urbana e habitacional em curso.  Certamente que haverá menos recursos para o Estado produzir habitação para a população de baixa renda. Neste sentido, a construção de moradias nos moldes dos princípios da economia solidária, pode se constituir numa alternativa para a produção de cidades mais justas.

O modelo autogerido corresponde a ações em que a produção habitacional ou a urbanização de uma área se dá através do controle da gestão dos recursos públicos e da obra pelos movimentos populares, associações e cooperativas. É a própria comunidade gerindo o processo da produção da solução de sua habitação. Falamos do controle em todas as etapas, desde a definição do terreno, do projeto, da equipe técnica que os acompanhará, da forma de construção, compra de materiais, contratação de mão de obra, organização do mutirão, prestação de contas e organização da vida comunitária (6).

A fim de procurar soluções para reduzir o déficit habitacional, especialmente para as hipossuficientes, cabe à sociedade civil brasileira e aos arquitetos, em especial, lutar pela construção de um pensamento e/ou movimento social em prol da produção de cidades não mais no âmbito do sistema de mercado, mas baseado no que preconiza a economia solidária.

É possível produzir habitação no âmbito da economia solidária? A resposta é sim, pois comprovadamente, no Brasil, as formas cooperativas de produção se constituem numa estratégia de luta contra a crise e o desemprego, pois têm propiciado a geração de trabalho, de renda, o resgate da cidadania, a inclusão social e digital para mais de um milhão e duzentos e cinquenta mil brasileiros, segundo dados da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério de Trabalho e Emprego – Senaes (7).

Portanto, através da produção da habitação, no âmbito da economia solidária, é possível interferir nos rumos da história e do mercado, no sentido de democratizar a moradia, o acesso à terra urbanizada e a aperfeiçoar os processos comunitários e participativos à semelhança da experiência internacional. Neste contexto, as experiências com cooperativas de habitação e os mutirões uruguaios podem contribuir para que se delineiem novos rumos para a habitação social no Brasil.

notas

1
SINGER, Paul. Economia solidária contra o desemprego. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/7/11/opiniao/9.html>. Acesso em: 06 dez 2016.

2
RUFINO, Sandra. (Re) Fazer, (re) modelar, (re) criar: a autogestão no processo produtivo. Tese de doutorado. São Paulo, Poli USP, 2005, p. 181; LEFEBVRE, HenriO direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

3
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações Déficit habitacional municipal no Brasil. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações – Belo Horizonte, 2010 <www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/cei/deficit-habitacional/216-deficit-habitacional-municipal-no-brasil-2010/file>. Acesso 10 de julho de 2015.

4
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 1998.

5
COSTA, Simone da Silva. Provisão habitacional e a (des) construção do direito à cidade: um olhar sobre a ação civil pública como instrumento de avaliação do PMCMV. Tese de doutorado. Natal, UFRN, 2016.

6
SCHIOCHET, Valmor. Institucionalização das políticas públicas de economia solidária: breve trajetória e desafios. Brasília, IPEA, 2009. Disponível em: <www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/08_ECONS_institucionalizacao.pdf>. Acesso em: 08 dez 2016.

7
PORTAL BRASIL. Economia Solidária beneficia 275 mil pessoas no País.Disponível em: <www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/09/economia-solidaria-beneficia-275-mil-pessoas-no-pais>. Acesso em: 12 dez 2016.

sobre a autora

Simone da Silva Costa é graduada em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Economia do Trabalho pela Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.